sexta-feira, 31 de maio de 2013

Passado e presente: um pouco da história das mobilizações da UNESP [II]

Talvez seja um traço característicos de todas as instituições dominantes e dominadoras não reconhecer as lutas dos dominados contra a situação de opressão posta ou, no mínimo, a busca por reinscrevê-las na ordem bem firmada das coisas. A recusa em admitir que conflitos possam originar mudanças pode ser mesma constitutiva dos senhores, mas a memória coletiva e o fulgor dos embates consegue, vez ou outra, furar as barreiras postas. Recentemente, por conta do processo de Ocupação do campus na UNESP-Araraquara, uma mulher já bem madura, cabelos grisalhos,  veio até a ocupação. Ainda hoje acompanhando as lutas estudantis, fez a gentileza de dar-nos a seguinte entrevista sobre sua militância política na UNESP-Assis, e, também, um pouquinho sobre a UNESP-Araraquara. 
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Eu sou de Araraquara mesmo, mas queria estudar psicologia e fui pra Assis; entrei na universidade em 93 e sai em 98. Eu já militava antes da faculdade, desde que era secundarista. Eu era do PT nesta época, era da Convergência Socialista [corrente do PT que originou o PSTU], hoje estou no PCdoB porque sou mais livre, ninguém me enche o saco, faço o que quero.

Me lembro da greve de 89, greve geral. Estava em Araraquara, no segundo grau, e era do movimento secundarista. Eu já era da Convergência; nós queríamos forçar os professores a fazer greve também, estavamos no fim da ditadura, tinha que sair, que protestar. Fomos de sala em sala e paramos minha escola, depois fizemos passeata no centro da cidade, acho que deu mais de 300 estudantes.

Quando eu entrei,  a universidade já era sucateada. Pro professor dar aula, tinha que correr muito atrás, eles demoravam. Quando eu entrei, já tinha moradia, mas não tinha R.U. Os estudantes não lutaram tanto pelo R.U. quanto os professores, e até o diretor na época batalhou bastante pra construir o Restaurante. 

Quantos às bolsas; eram os professores que arrumavam; era a bolsa PAE [Programa de Auxílio ao Estudante; atualmente BAAE]; na época eu ganhava noventa reais de salário minimo, e a bolsa era metade; eu vendia no semáforo brigadeiros e conseguia em um dia o valor da bolsa; o número de bolsas não era nem de longe suficiente, muita gente ficava sem; não tinha R.U. e o pessoal ficava mais na moradia, e tentava se organizar por lá para não passar fome.

Em Assis tinha um professor, o Sérgio Norte, era anarquista, ele gostava muito do [Mikhail] Bakunin [anarquista russo; contemporâneo de Marx e Engels, atuou na Primeira Internacional], então tinha muitos anarquistas na História. Mas não só na História, porque tinham muitos anarquistas na faculdade de modo geral. Em Araraquara eles eram muito fortes, tinham muitos anarquistas, e ele se organizavam em um grupo chamado os Batatas Podres. Estes caras fizeram a segunda ocupação por Moradia aqui, que durou um ano, e conseguiram que a universidade alugasse duas casas para eles, até que os blocos de moradia estivessem prontos. Os trabalhadores apoiavam eles e construíram um acampamento de madeira no campus, pra ajudar na ocupação. Eles acabaram conquistando quatro casas de moradia, mas não queriam que a reitoria desalugasse as casas, o que terminou por ocorrer; as casas eram velhas, e tinham problemas, além do que algumas pertenciam a burocratas da universidade. Pra você ter ideia, a direção até hoje nega que estas casas tenham sido alugadas...

No movimento estudantil tinha muita guerra entre as correntes. Como eu te disse, eu era da Convergência. Na época o PT dominava as entidades, mas tinha o PCdoB também; a Articulação [corrente do PT à qual pertencem José Dirceu e Lula] era muito forte e eles já eram pelegos desde então, mas sempre conseguiam mais gente pra representar eles. O PSTU panfletava muito contra o governo FHC, especialmente quando teve a greve dos petroleiros [em 1995; única categoria que deu forte combate ao neoliberalismo; FHC reprimiu os grevistas com o Exército; primeira grande traição do PT à uma luta], foi no começo do governo dele. Mas a maioria do movimento era dos anarquistas, tinham muitos na universidade.

A gente se reunia no D.A.; era no mesmo lugar em que é hoje, lá em Assis. Não tinham C.A.'s, não tinha essa divisão, era todo mundo junto, todos os cursos; foi o Sarney que fez essa divisão. A gente tirava quem ia pro DCE em urnas. O CEEU [Conselho de Entidades da UNESP; desde 200, CEEUF] era assim: o pessoal tentava fazer reunião no sábado; a UJS [União da Juventude Socialista, Juventude do PCdoB; corrente que controla a UNE] segurava a reunião, não deixava ter a reunião, todo mundo ficava puto do lado de fora. O CEEU ocorria a cada mês em um campus diferente, e o pessoal sempre fazia uma festona no sábado e no domingo não conseguia acordar, e o povo ia embora sem votar nada. Os professores eram muito bem organizados em torno da defesa da universidade publica, os trabalhadores também. Nos outros campi, qualquer coisa era greve; em Assis era mais fraco, mas nos outros campi era muito forte.

Eu nunca fui de nenhuma entidade; eu não queria assumir esse tipo de problema; mas participava muito das assembleias, mas nunca quis me candidatar;

1995 foi um ano importante, já que em 95 que terminou com a paridade e o voto direto pra reitor. O pessoal começou a lutar pela paridade. Isto tudo explodiu em 97, fizemos um grande protesto na reitoria e o reitor não quis nos atender. Queríamos paridade, queríamos o aumento do repasse do ICMS na LDO [Lei de Diretrizes Orçamentárias]; no dia da votação, ocupamos a ALESP [Assembleia Legislativa de São Paulo]. Um amigo meu foi preso por desacato, e o Jamil Murad [então deputado pelo PCdoB] pagou a fiança. 

Em Assis, começamos a nos organizar contra o diretor, que era muito conservador; os anarquistas colocaram uma bomba na sala do diretor e, no mesmo dia, enviaram uma carta de São Paulo, avisando que tudo ia explodir e ameaçando o diretor; e a bomba explodiu, quebrou os vidros, quebrou muita coisa. Eu fui sindicada por conta disso, e mais fui envolvida que estava envolvida propriamente; ele não me puniram exatamente, mas me seguraram na faculdade até que eu jubilasse. O José Luis Guimarães era o professor que cuidava da sindicância, ele era extremamente conservador e queria reprimir a todo custo, era professor da Psicologia. O diretor era o Antônio Quelce Salgado, que era de direita, mas era um liberal, um liberal como não se faz mais hoje em dia. 

Tinham festas no campus, com bebida alcoólica, regado a muita bebida alcoólica; o pessoal ainda tava na ressaca dos anos 60, muita droga, muita maconha; fumei haxixe, pasta base, cogumelo, lirio, muito sexo, e tô aqui, tô contando; no D.A. sempre tinha cerveja. A Direção tentava organizar os estudantes no sentido do que queria a direção. Eu me lembro que conheci o Randal, estudante da história, foi do DCE; era um pelegão, queria ir de ônibus só pra ir no Inter, o ônibus era o UNESP-Tur, a gente dizia. 

A população não tinha uma boa relação com os estudantes; eles viam a gente como loucos, como alienígenas; e a gente dava motivo também, não pode negar; os caras jogavam a privada da moradia do ultimo andar, fazia fiado no mercado e não pagava, explodia bomba; e pensa isso em uma cidade como Assis.

A USP  começou a ter briga pelo CRUSP porque começou a entrar gente que queria morar no quarto sozinho; e tiveram a ideia de fazer quartos individuais. Os anarquistas dominavam o CRUSP, mas o PT dominava as entidades. Tinham muitas lutas na USP, moradia, bolsa. Ocuparam a ALESP conosco, a USP e a UNICAMP; eu fui pro movimento da UNE em 98, em BH; as votações eram tratoradas, a maioria dos estudantes eram castrados; a briga era entre o PT e a UJS; 

A UNICAMP era um pessoal mais politicamente organizado, do que USP e UNESP; muito por conta do curso de Filosofia, que era muito forte e muito politizado; Ciências Sociais também, e o pessoal do teatro, que militava junto, do teatro da UNICAMP; os movimentos eram culturais, o pessoal pintando, fazendo peças, intervenções, tinha muito estudante pra participar, na UNICAMP; os coletivos eram de massa, das casas das moradia, o pessoal agitava e tinha reunião direta; a UNICAMP sempre foi mais forte politicamente, no meu ver; o pessoal sabia discutir politica, lia muito, era muito instruido. 

Eu me lembro da queda das Torres Gêmeas, já não estava na faculdade mas estava aqui na UNESP-Araraquara; eu ouvi pelo rádio dentro do ônibus, quando ônibus ainda tinha rádio; onde hoje é o R.U. aqui na UNESP, antes era a cantina; nos vimos a queda da segunda torre lá; e o pessoal comemorou muito, e até fez uma festa na moradia a favor do Osama bin Laden;




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